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InternetEscola de Magistrados Notícias 2018Dezembro07/12/2018

07/12/2018

O evento “Drogas: Modelos Regulatórios” debateu a quebra de paradigmas

O presidente do IBCCRIM, Cristiano Avila Maronna, destacou a coragem da EMAG em trazer essa discussão. “Enquanto o mundo discute os novos rumos da política de drogas, seja no âmbito das Nações Unidas, seja por meio das mudanças internas em países como Canadá e Uruguai que passaram a legalizar a produção, a distribuição e o comércio da cannabis, o Brasil é dos últimos países da América Latina que ainda incriminam a posse da cannabis para uso pessoal”.

O juiz federal emérito Ricardo César Mandarino Barretto, que também coordena o evento, disse que não há sentido em insistir em uma política de repressão ineficaz e permanecer refém do crime organizado. Para ele, “o consumo de drogas deveria ser taxado e os impostos arrecadados enviados ao Ministério da Saúde, que destinaria esses recursos para publicidade de prevenção às drogas e para a reabilitação de drogados”.

O desembargador federal José Lunardelli, diretor da EMAG, destacou que o papel da Escola é ser um espaço de debate, de diálogo e de difusão de conhecimento. “É pelo aprofundamento do conhecimento dos problemas humanos que se consegue transformar as estruturas jurídicas”.

No painel “Drogas: experiência internacional em novas regulações”, o curso contou com a participação de dois especialistas estrangeiros: o uruguaio Augusto Vitale Marino, mestre em psicologia e um dos responsáveis por implementar a lei que regulou a produção, distribuição e comércio da cannabis no Uruguai e a mexicana Zara Snapp, Mestre em Políticas Públicas por Harvard e membro da Comissão Global de Política de Drogas.

Com base em sua experiência como educador e pesquisador, Marino falou das lições apendidas com a implementação no Uruguai da lei de regulação de cannabis, substância que representava cerca de 80% do mercado de drogas ilegais em seu país. Para ele, a questão das políticas de drogas envolve dois paradigmas: criminalização em oposição à regulação de mercados. “O Uruguai abandonou o paradigma de proibição de drogas porque não era eficiente para resolver o problema da saúde, da proteção de direitos e também da convivência social (jovens que morriam para controlar territórios e mercados de microtráfico)”.

Marino citou a experiência de outros países na regulação de drogas. A Holanda iniciou uma experiência pioneira nos anos 70. A Espanha, Suíça, Portugal e Austrália também adotaram políticas que não penalizavam o consumo e que davam ênfase à redução de riscos à saúde. Nos Estados Unidos, desde 1998, 25 estados americanos desenvolveram diversos sistemas de descriminalização e regulação da produção, venda e consumo da cannabis medicinal.

No Uruguai, com a Lei 19.172/2013, todos os residentes no país (uruguaios ou estrangeiros), maiores de 18 anos, que tenham se registrado como consumidores para o uso recreativo ou medicinal da maconha, poderão comprar a erva em farmácias autorizadas. A lei permite também o autocultivo pessoal e clubes de culturas. Produtores poderão plantar a erva, desde que autorizados pelo Estado.  O objetivo da lei é proteger os uruguaios dos riscos causados pelo comércio ilegal de drogas e reduzir a incidência do narcotráfico e do crime organizado.

Marino explicou que o caso do Uruguai não está centrado somente na regulação da cannabis, mas também no mercado de outras drogas como o tabaco e o álcool, cujo consumo é permitido. Não se trata de criminalização, mas de saúde e de educação. A regulação dos mercados de drogas de acordo com suas especificidades é uma alternativa à polarização: liberação versus criminalização. "Quando um jovem diz que uma droga não é mais perigosa por ser legal, sinto que cumpri minha missão". 


Especialista mexicana

A mexicana Zara Snapp, cientista política com mestrado em políticas públicas pela universidade de Harvard, abriu sua fala destacando que, no último ano, ¼ da população mundial usa drogas. Desse total, apenas 11% têm o que ela classificou como uso problemático de entorpecentes e é nessa parcela que se devem concentrar esforços para a redução de danos. Para a especialista, no que se refere ao uso da maconha, prevalece um enfoque punitivo que gera efeitos muito nocivos. Além da criação de toda uma estrutura criminosa que gera elevados índices de violência em todo o mundo, o usuário muitas vezes é levado a consumir outras substâncias cuja composição é desconhecida e que pode causar problemas por vezes imprevisíveis. Não apenas isso, mas a criminalização da maconha gera uma estigmatização do usuário de modo que ele se intimida e não procura ajuda institucional para a minimização de eventuais danos causados pelo uso da cannabis.

Ao se referir às medidas adotadas para o combate ao uso de drogas ilícitas, a palestrante procurou destacar a pouca eficiência das convenções internacionais, que estabeleciam metas inalcançáveis, além de proporem providências meramente punitivas, as quais não são eficazes, como provam as experiências com a lei seca, que não diminuiu o consumo de álcool. Para Zara, o Uruguai oferece uma abordagem diversa porque, ao legalizar o consumo de maconha, coloca no centro a questão da saúde pública e propõe diálogos constantes com a sociedade civil acerca dos resultados da implementação de uma política mais liberalizante do consumo da cannabis.

Existe atualmente uma expectativa quanto ao tema, uma vez que a Organização Mundial da Saúde promove uma revisão crítica sobre os reais efeitos da maconha. Para especialistas, depois de décadas de estudos, é possível afirmar que o cannabidiol puro não apresenta propriedades psicoativas e nem potencial de farmacodependência. Assim, criminalizar a maconha só penaliza o usuário.

Zara Snapp salientou que o reconhecimento pelo Estado do uso da cannabis propicia a regulação de sua produção e comércio, combatendo-se a alta criminalidade que cresce em torno da ilegalidade desse entorpecente. Além disso, abre-se caminho para a criação de espaços seguros, em que a fabricação e o uso da cannabis podem ser regulados por regras claras, inclusive com um trabalho mais intenso de agentes públicos da área de saúde e de segurança. A palestrante defende que esse mesmo modelo, de uso seguro e consciente, seja adotado para as drogas já legalizadas, como o fumo e o álcool.

Finalizando sua fala, a especialista reconhece que não é fácil a quebra de paradigma, passar de um modelo policial-punitivo para um modelo de cunho social e calcado em políticas de saúde pública. No entanto, como se verifica em vários países que lidam com a questão, é a forma mais madura e eficaz de enfrentar um tema tão delicado quanto complexo.

 Redação: Clarice Michielan e João Rodrigues de Jesus

 

Publicado em 26/02/2018 às 13h49 e atualizado em 22/04/2025 às 15h44