Curso convida magistrados a pensar questões de direito, arte e filosofia

A frase “Penso, logo existo”, do filósofo francês René Descartes, resume a essência do humano: ser capaz de pensar sobre a própria existência. No entanto, numa sociedade em que tantas atividades consomem tempo, fazer uma pausa para pensar parece um luxo. Com a proposta de refletir sobre questões que permeiam nossa realidade, teve início nesta segunda, 26/11, o curso “Tempo de pensar – interlocuções entre direito, arte e filosofia”. Segundo a coordenadora do curso, juíza federal Marcia Hoffmann do Amaral e Turri, “viver é recriar-se, é reinventar-se, como seres humanos, por isso a necessidade de parar para pensar”. A seu ver, direito, literatura e filosofia se organizam como horizontes abertos e plurais de compreensão que se entrelaçam, viabilizando reflexões sobre o sentido ético das normas, acerca da valia dos atos e omissões e, ainda, sobre sua dignidade intrínseca.
A palestra, “As sementes do tempo: interpretação, direito e poder em Macbeth”, ministrada pelo professor doutor José Garcez Ghirardi, abriu o evento. A mesa contou com a participação dos desembargadores federais José Marcos Lunardelli, diretor da EMAG, e Inês Virgínia.
A peça Macbeth, de Shakespeare, serviu de referência para o professor Garcez fazer algumas análises da situação política atual do país. Para ele, a atualidade do dramaturgo inglês está no fato de ele colocar em cena tensões semelhantes àquelas que hoje experimentamos. “A tragédia retrata como uma estrutura pode ser injusta e ilegítima”.
Ao fazer uma reflexão sobre Judiciário brasileiro, o professor disse que há uma grande crise exegética instalada no STF gerada pelas diferentes interpretações dos ministros à Constituição. “Toda estrutura, tanto normativa como funcional, tem a ver com a tentativa de estabilizar o sistema por meio de uma circunscrição das interpretações possíveis. Mas, se um sistema, que é feito para ter estabilidade por meio das interpretações legítimas, oferece outra noção interpretativa, o sistema todo pode entrar em colapso”.
De acordo com Garcez, o que está em jogo no momento atual é qual a função do direito dentro da sociedade e em relação aos conflitos sociais. O professor usa como exemplo os debates entre os neopositivistas e os neoconstitucionalistas, afirmando que não são debates sobre a causalidade jurídica, a parte técnica da interpretação. “A crise do Judiciário está na falta de critério para estabelecer o sentido do direito. Sem o critério, sentimos uma enorme instabilidade e a própria função institucional começa a ser colocada em xeque”.
A juíza federal Márcia Hoffmann participou ativamente da palestra e aprofundou o debate, afirmando que “nem sempre o direito positivado expressa o justo. Para além do descompasso entre a ordem jurídica positiva e o ideal de justiça, existem dilemas no interior do próprio domínio dos valores. O sentido da norma ética possui critérios específicos de avaliação. A importância da filosofia evidencia-se, portanto, diante do conflito de preceitos éticos”.
Fazer uma pausa para pensar, segundo a coordenadora do curso, é uma atitude de bom senso: estimula a crítica e pode até, eventualmente, ensejar a dúvida. “O agir impensado leva à estagnação do conhecimento jurídico, incompatível nesta era de incertezas, em que tudo que é sólido se desmancha no ar”.
O curso prossegue no dia 27 com a palestra “Ficção, Filosofia e desafios éticos para um futuro não tão distante”, ministrada pelo professor Alexey Dodsworth Magnavita de Carvalho e no dia 28, com a palestra “Kohlhaas, da injustiça à vingança”, apresentada pelo professor doutor Tércio Sampaio Ferraz Júnior. Às tardes, os juízes federais participam de oficinas de discussão. Para Márcia Hoffmann, a relevância desses debates se explica pela própria essência do ser juiz: “Pensar nos torna mais humanos e, para julgar um ser humano, o juiz precisa ser cada vez mais humano”.
Redação: Clarice Michielan
Revisão: João Rodrigues de Jesus