Curso discute desafios futuros dos meios consensuais de solução de conflitos

A política judiciária de tratamento adequado de conflitos foi instituída com a Resolução 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ao longo de oito anos, o uso dos meios consensuais tem se consolidado na justiça. Para discutir os rumos da conciliação e da mediação no Judiciário, a EMAG realizou, em seu auditório, o curso Meios Consensuais na Justiça Federal: onde estamos e para onde vamos? O evento foi coordenado pelos juízes federais Herbert Cornelio Pieter de Bruyn Jr. e Bruno Takahashi.
A abertura do evento contou com o professor doutor Kazuo Watanabe, que traçou um panorama das políticas públicas de tratamento adequado de conflitos. O aspecto de maior destaque de tais políticas é a adoção de meios consensuais como a conciliação e a mediação. Watanabe lembrou que, em meados da década de 90, participou da organização de setores de conciliação no Tribunal de Justiça de São Paulo. Na época, alguns juízes já tomavam a iniciativa de conciliar, mas era algo facultativo e dependia da vocação de cada magistrado.
Segundo o professor, para lidar com a grande quantidade de conflitos, o Judiciário procurou reduzir recursos, prazos e procedimentos. No entanto, não estava atacando a causa da litigiosidade. A resolução 125 mudou essa perspectiva ao instituir a obrigação de os órgãos judiciários ofertarem ao jurisdicionado, antes da sentença, mecanismos consensuais de soluções de controvérsias como a conciliação e a medição. Foi preciso uma mudança de mentalidade, inclusive no próprio ensino jurídico, uma vez que nas faculdades de direito aprendem-se os métodos contenciosos de resolução de conflitos, mas não se aprende a negociar.
Watanabe acredita que é preciso mudar a ideia de que o Judiciário é um ser neutro e que sem provocação não pode agir. “Essa é uma concepção já ultrapassada. Hoje a percepção é diferente e isso está na resolução 125. O Judiciário tem que exercer um papel ativo na organização de serviços adequados para atender melhor o público”.
O professor ressaltou, ainda, que a centralização nas CECONs (Centrais de Conciliação) e CEJUS (Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania) permitiu a especialização do atendimento. Mesmo havendo demanda, o professor lamenta a falta de apoio: “Apesar de haver profissionais capacitados na área, ainda não há remuneração para as atividades de conciliador e mediador”.
O segundo palestrante, o professor doutor Adolfo Braga Neto, destacou que os métodos alternativos de resolução de conflitos promovem o diálogo entre as pessoas. Trata-se de uma abordagem na qual as pessoas passam a ter voz e podem pensar e conversar sobre o problema. A proposta do diálogo é um processo que tende a evoluir.
Outro ponto salientado por Braga foi a mudança de perspectiva. Ao se falar em processo judicial, o olhar é voltado para aquilo que passou. "É preciso uma decisão, já que alguém fez alguma coisa". Já a mediação e a conciliação se voltam para o futuro. Não se trata de abandonar o passado, mas usar o passado como referência para uma perspectiva futura.
Futuro tecnológico
O futuro do direito e das outras profissõe diante do avanço das tecnologias foi tema de reflexão da professora Lígia Zotini Mazurkiewicz em sua palestra “Quando as máquinas por fim nos libertarem das atividades de máquinas, o que faremos nós?”. A especialista mostrou como a tecnologia já está presente em nossas vidas, como implante de chips , por exemplo, e as tendências para os próximos anos, como a desmaterialização, na qual os mundos serão construídos digitalmente.
Segundo a especialista em tecnologia, 50% das atividades globais podem ser automatizadas. Estima-se que em 2030, aproximadamente 70% da força de trabalho global vai ser substituída. “Aquilo que é repetitivo, a inteligência artificial vai ajudar a fazer”. As futuras empresas não exigirão diplomas das pessoas, mas expertise.
O direito sempre trabalhou com um sistema binário para aplicar a lei (hard law). Para a palestrante, o admirável mundo novo não admitirá o sistema binário. O operador do direito que não souber trabalhar com a tecnologia não irá sobreviver. Questões envolvendo criptomedas, alteração do DNA de embriões humanos, natureza jurídica de um robô, são algumas demandas que farão parte de sua realidade. “Esse profissional deverá cocriar a justiça com os indivíduos e organizações, trabalhando com conceitos de ética e moral aplicadas ao desenho social (soft law)”.
De acordo com Lígia Zotini, a mediação e a conciliação são instrumentos de soft law que buscam autonomia para a solução de seus conflitos. A palestrante citou iniciativas que já estão dando certo como o uso de inteligência artificial pelo TJ/RJ para acelerar processos, assim como profissionais que trabalham com advocacia do futuro, práxis sistêmica e constelações. Tais empreendimentos se aproximam das exigências impostas por um futuro mais tecnológico. “O que teremos é uma parceria entre homem e máquina, que nos convidará a acessarmos e vivermos aspectos mais humanos”, concluiu.
Caso de sucesso
O último palestrante do dia, Roberto Meira de Almeida Barreto, presidente EMGEA- (Empesa Gestora de Ativos), relatou a experiência da estatal como um caso de sucesso que contribuiu para a expansão da conciliação no Judiciário.
A EMGEA faz a gestão de bens e direitos provenientes da União e de entidades da administração pública federal. Ao ser criada em 2001, foram transferidos 1,2 milhão de contratos habitacionais ativos da CAIXA. Diagnosticou-se que muitos contratos estavam sub judice e ações judiciais duravam em média oito anos. A retomada do imóvel do inadimplente se dava via leilão, com graves consequências sociais.
A estatal procurou soluções que melhorassem esses indicadores e deu-se início à construção de um modelo de negócio que viabilizasse acordos com os mutuários, prevendo-se a flexibilização de até 80% do valor do imóvel. Em 2002, a Justiça Federal de Maringá/PR se dispôs a testar um novo formato de audiências de conciliação.
Em parceria com a Caixa, a EMGEA elaborou alternativas para todos os tipos de contratos que levassem em conta o valor de avaliação do imóvel, a cota de financiamento, o valor pago e incentivo ao pagamento à vista. As propostas atraentes para o mutuário e justas na apreciação dos magistrados atingiram um percentual de 41% de sucesso. Em 2004, o projeto foi estendido para todo o país. A estimativa do “Projeto Conciliar” é atingir, até o final de 2018, a marca de 1,1 milhão de mutuários com dívida regularizada.
Barreto destacou que solução para as demandas judiciais trouxe benefícios diretos para a estatal e para o mutuário. O Judiciário também se beneficiou, uma vez que contribuiu para a redução do estoque de processos.
Ao final do evento, o juiz federal Herbert Cornelio Pieter de Bruyn Jr., um dos coordenadores do curso, destacou que, apesar dos avanços obtidos com o uso de métodos alternativos na solução em conflitos, o levantamento feito pelo último “Justiça em números” apontou um percentual de acordos de 12%. Tal índice mostra que o País está “bastante distante dos Estados Unidos ou do Japão”, onde os acordos alcançam a faixa de 95%. Ainda há um desafio a ser vencido.
Clarice Michielan (redação)
João Rodrigues de Jesus (revisão)