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InternetEscola de Magistrados Notícias 2018Setembro18/09/2018

18/09/2018

Profissionais da área da saúde e do direito dialogam sobre judicialização

O curso Judicializção da Saúde teve início no dia 14/9 e continua até 5/19, sempre às sextas-feiras, no auditório da EMAG, sob a coordenação do juiz federal Ricardo de Castro Nascimento.  A primeira aula ministrada pelos especialistas Fernando Mussa Abujamra Aith, Francisco Assis Acurcio e Aline Jurca Zavaglia Vicente Alves teve como tema principal o limite entre o coletivo e o individual em relação ao direito à saúde.

Em sua apresentação, o professor Fernando Aith destacou como um fato recente o processo de reconhecimento jurídico do direito a saúde. Explicou que só a partir da 2ª guerra houve a criação de documentos, no campo internacional, como a carta da ONU, a constituição da Organização Mundial de Saúde (OMS), a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais- PIDESC, criado em 1966 e ratificado no Brasil apenas em 1992.

Segundo o professor, muitos países, como Estados Unidos, Inglaterra, por exemplo, não ratificaram o PIDESC para evitar a judicialização dos direitos sociais. Para tais culturas “não faz sentido o Judiciário decidir sobre a saúde porque compete ao Executivo decidir. É uma lógica diferente do Brasil”.

No Direito Interno, a Constituição Federal de 1988 reconhece a saúde como um Direito Humano Fundamental no seu art. 6º. A carta coloca a saúde no campo de seguridade social que também inclui assistência social e previdência social.  “Trinta anos depois, ainda estamos correndo atrás do déficit criado com o reconhecimento da saúde como direito e dever do Estado sem que o Estado tivesse capacidade de dar conta das demandas geradas por esse reconhecimento. Sempre haverá uma distância entre o ideal de direito à saúde e o possível”.

No artigo 196, a Constituição reconhece a saúde como “direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outras doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Para o palestrante, o reconhecimento do direito à saúde teve como consequência prática, no sistema jurídico brasileiro a confirmação da garantia do direito de ação para demandar saúde.  O Poder Judiciário passa a ser um dos principais atores estatais na definição do significado concreto do direito à saúde. “A judicialização é o caminho do indivíduo para suprir algumas demandas por aquilo que o Estado deveria dar”.

Medicamentos

O papel dos medicamentos e sua utilização na assistência à saúde foi o enfoque trazido pelo coordenador do Centro Colaborador do SUS para avaliação de tecnologias e excelência em saúde, Francisco de Assis Acurcio. Por meio de gráficos, o palestrante mostrou estudos que apontam que o uso de medicamentos está sendo incrementado em todas as faixas etárias da população.

De acordo com o expositor, observa-se uma pressão por parte da indústria farmacêutica em torno dos medicamentos, afetando os prescritores e os usuários. Segundo Acurcio, o setor farmacêutico divide-se entre cobrir uma necessidade sanitária real e assegurar uma expansão constante do mercado.  “A guerra de interesses da indústria farmacêutica privilegia o mercado e prejudica o paciente”, declarou.

O palestrante apresentou dados que apontam que os medicamentos são responsáveis por cerca de 17% dos gastos mundiais em saúde. No Brasil, por causa da crise econômica, desde 2014, pelo menos 3 milhões de pessoas deixaram de ter planos de saúde. “Sem assistência suplementar, esse grupo que pouco usava o SUS passou a depender dele”.Nas últimas décadas tem crescido o ‘fenômeno’ das demandas judiciais por bens e serviços de saúde contra o SUS, em todas as esferas de governo. Em sua maioria, são demandas judiciais individuais, sendo que parcela significativa delas refere-se ao acesso a medicamentos. Segundo levantamento do Ministério da Saúde, o gasto do governo com a compra de remédios por ações judiciais cresceu mais de 960% entre 2010 e 2016.

De modo geral, a resposta judicial em relação às demandas contra o SUS tem sido exigir dos gestores da saúde o fornecimento do bem/serviço demandado, ainda que não seja ofertado pelo SUS ou que não existam evidências que comprovem uma positiva relação de benefìcio/risco. Na opinião do palestrante, esse posicionamento do Judiciário estabelece uma linha de tensão entre os Sistemas de Justiça e da Saúde.

Os Poderes Executivo e Judiciário vêm buscando, nos últimos anos, estabelecer um diálogo mais próximo e realizar ações e estratégias visando minimizar as demandas judiciais em saúde. O aprimoramento da resposta técnica, por meio de pareceres técnico-científicos, tem sido uma das ações que o Executivo da saúde vem utilizando. A articulação com outros atores sociais para a busca de resolução do conflito e a interlocução com outros órgãos também ganhou impulso. Acurcio espera que as estratégias adotadas para a minimização das demandas judiciais possam contribuir para maior aproximação entre saúde e Justiça, diminuindo conflitos tensões.

A promotora de justiça, Aline Jurca Zavaglia Vicente Alves, descreveu a evolução histórica da judicialização da saúde que no início tinha um caráter preventivo de doenças. A palestrante analisou os acordos, tratados e convenções internacionais que tratam da saúde como um direito a ser resguardado por políticas públicas.  

Ela citou a Revolta da vacina ocorrida no Brasil, no início do século XX, quando houve uma reação popular à campanha de vacinação obrigatória posta em prática por Oswaldo Cruz. Na ocasião, foi impetrado um Habbeas Corpus para impedir o ingresso forçado de agentes sanitários em domicílio.

Segundo a palestrante, o direito à saúde na primeira geração de direitos tinha como principal ênfase o direito à vida. Cabia ao indivíduo escolher a forma como iria exercê-lo. Na segunda geração, passa a ser um direito social, com foco na saúde enquanto direito da sociedade. A premissa é que a saúde de uns interfere na saúde dos outros. As políticas públicas de saúde incluem medidas preventivas. Ela destacou, ainda, uma terceira geração em desenvolvimento com enfoques globais voltado à elevação dos níveis da qualidade de vida da população, com vistas à redução da desigualdade entre as pessoas.

Aline Alves encerrou sua exposição apresentando alguns casos que tramitaram no STF. Dentre as principais demandas destacam-se: a fosfoetalonamina (pílula do câncer); o dever do estado em fornecer medicamentos de alto custo; o fornecimento de fármacos não autorizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA); entre outros. Ela destacou a Suspensão de Tutela Antecipada 175/2009, em que o Ministro Gilmar Mendes, do STF, foi relator. Trata-se de ação paradigmática que, após amplo debate público, estabeleceu parâmetros para a resolução de feitos relacionados à judicialização da saúde. Em síntese, a conclusão do Ministro é que, “em geral, deve ser privilegiado o tratamento fornecido pelo SUS em detrimento de opção diversa escolhida pelo paciente, sempre que não for comprovada a ineficácia ou a impropriedade da política de saúde existente”.

Também participou da mesa o professor doutor Marco Akerman, coordenador científico do evento. Ele disse que o curso busca conexões entre o direito e a saúde. A seu ver, a saúde deve ser entendida não como mercadoria, não como consumo, mas como um direito à cidadania.

Publicado em 26/02/2018 às 13h48 e atualizado em 28/04/2025 às 12h46