Curso discute os desafios nos casos de sequestro internacional

O curso “Subtração Internacional de Crianças e a Convenção de Haia de 1980 – Desafios para a Justiça Brasileira”, em seu segundo dia, 25/9, teve como tema “Experiências Internacionais na aplicação da Convenção de Haia”. As palestrantes Judy Kreeger, juíza da Flórida/EUA; Fabiana Villamor, representante do Children Issues para América Latina e Shannon Hines, conselheira do Departamento de Estado Americano; e os advogados Ricardo Zamariola Junior e Luiz Carlos de Freitas ilustraram suas apresentações com exemplos práticos de suas atividades profissionais.
A juíza Judy Kreeger faz parte de uma rede internacional de juízes de Haia que funciona como um canal de comunicação entre a Autoridade Central e magistrados de outros países em casos de subtração de crianças. A palestrante informou que a partir da Convenção de Haia de 1980, tanto as cortes federais como as cortes estaduais americanas passaram a ter competência para decidir em casos envolvendo o sequestro de crianças. Mesmo sendo o direito de família de competência estadual, um grande número de advogados que representam os pais/mães preferem ajuizar seus processos nas cortes federais. Segundo ela, os juízes estaduais em casos de subtração podem querer entrar na discussão de questões passadas. Já os juízes federais, como não decidem sobre divórcios ou paternidade, entendem que devem se ater ao que a Convenção de Haia determina.
Outro ponto destacado pela juíza americana foi o fato de que nos últimos cinco anos houve um expressivo aumento da procura por mediação. Graças ao uso da tecnologia, a audiência pode ser realizada com os pais em países diferentes por meio do Skype. Judy Kreeger destacou que o desenvolvimento tecnológico também está presente nas cortes americanas, uma vez que já não existem mais processos físicos, apenas eletrônicos.
A expositora Fabiana Villamor, representante do Children’s Issue para a América Latina do Departamento de Estado dos EUA, explicou a estrutura e a atuação da Autoridade Central Americana. Dentre as suas funções destacam-se o fornecimento de informações aos pais sobre a Convenção de Haia e sobre os documentos necessários para o processo. Além de fazer o monitoramento de casos em andamento e garantir o retorno seguro da criança, o escritório procura também prevenir o sequestro para que não ocorra.
Os Estados Unidos têm acordo com 78 países, mas também atende nações que não fazem parte da Convenção. A palestrante apresentou números de 2017 para ilustrar o volume de casos de sequestros internacionais envolvendo o país. O México aparece como o primeiro da lista com 496 ao total, sendo 327 crianças sequestradas para o solo americano. O Brasil está em 6º lugar com 47 casos, sendo 27 crianças sequestradas do Brasil para EUA. Villamor forneceu o endereço do website para mais informações: www.travel.state.gov.
Na sequência, Shannon Hines, do Departamento de Estado dos USA falou sobre seu trabalho de conselheira jurídica na prevenção de sequestros. Uma das formas de atuação do Departamento é um programa de alerta para a emissão de passaporte. Outra medida, é uma parceria com o Programa de Proteção de Fronteira e Aduana dos Estados Unidos que tomará providencias para evitar a consumação do sequestro. Segundo a palestrante, se um dos pais possuir a guarda, com ordem expressa que proíba retirada da criança dos Estados Unidos, esse genitor deve enviar o documento para o escritório de modo a prevenir a saída do país.
Desafios
O tema “Os desafios da advocacia no retorno da criança e as relações com jurisdições estrangeiras” foi discutido pelo advogado Ricardo Zamariola Junior com os comentários de Luiz Carlos de Freitas, advogado da União.
Zamariola explicou que no Brasil, por força de disposição constitucional, a competência para esse tipo de processo, ao contrário dos EUA, é dos tribunais federais. Em sua opinião, o tempo do processo é o maior desafio nos casos de sequestro de crianças. “A justiça é feita de formalidades, mas são elas que dão segurança ao procedimento, que garantem os direitos das partes e os princípios democráticos”. Para ele, “é preciso encontrar o balanço adequado entre celeridade e garantia dos direitos de defesa”.
Ao longo de seus 13 anos de experiência, Zamariola disse nunca ter visto um juiz conceder o retorno de uma criança por força de uma medida provisória, ou cautelar, sem que o pai/mãe que promoveu a remoção da criança para outro país tenha tido tempo de defesa. Hoje, o advogado mudou sua estratégia e não pede mais a concessão de liminar nos processos que ajuíza porque acredita que as chances de ser deferida são mínimas e acaba atrasando o processo. Ele observou que, a maior parte das sentenças já determina sua execução imediata independente do julgamento dos recursos pelas partes.
Um caso de sequestro internacional que ganhou notoriedade no Brasil aconteceu em 2004, com o menino Sean Goldman, filho de mãe brasileira e pai americano. Zamariola foi o advogado do pai que solicitava o retorno do menino. Foram anos de processos e recursos com decisões desfavoráveis ao pai. A mãe do garoto morreu em 2008, deixando a guarda para a vó materna. No ano seguinte, o STF rejeitou os recursos da avó e determinou que Sean Goldman fosse entregue ao pai para viver com ele nos Estados Unidos.
Com relação à morosidade do processo judicial para dar cumprimento à Convenção de Haia, o advogado da União Luiz Carlos de Freitas destacou alguns fatores que podem contribuir para minimizar o problema: O provimento 434/2015 concentrou as ações da Convenção da Haia nas 1ª varas de cada subseção. Essa concentração permite que os juízes se especializem na matéria. Outro fator foi a especialização dos operadores do direito da advocacia Geral da União e da Procuradoria Geral da União da 3ª Região nos processos envolvendo a Convenção da Haia. O debatedor destacou também o avanço do processo eletrônico na 3ª Região que contribui para agilizar os processos da Convenção.
O curso esteve sob a coordenação dos juízes federais Leila Paiva Morrison e Bruno Lorencini, presidente da AJUFESP.
Redação: Clarice Michielan