MULHERES DEBATEM QUESTÕES DE GÊNERO E ARTE NO JUDICIÁRIO

O que pode unir temas como Justiça, Gênero e Artes? A EMAG, em parceria com a Comissão AJUFE-Mulheres e a Ajufesp, realizou na manhã do dia 22/8 uma mesa redonda com 15 mulheres. São magistradas, promotoras, defensoras, advogadas e professoras que também se expressam na arte. O debate suscitou questões de gênero no Poder Judiciário e o papel da arte nesse contexto.
Na abertura do evento, a desembargadora federal Therezinha Cazerta, presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, lembrou que, quando fez concurso, era muito difícil para as mulheres entrarem na magistratura, havia muita discriminação. No entanto, acreditava que um dia essa história mudaria e já está se alterando: “A princípio, a mulher nem votava, hoje nós já estamos aqui”. A seu ver, a mulher tem a sensibilidade que o direito requer para compreender as situações dos mais desfavorecidos, dos mais fracos e se reconhecer nelas.
Dentre as participantes da mesa redonda “Mulheres do Sistema de Justiça”, a professora Melina Fachin destacou que o direito não tem as mulheres como protagonistas. Basta uma radiografia da composição do Poder Legislativo “há pouco mais de 10% de representação feminina. Os sujeitos de direitos são sempre abstratamente pensados e focados nas figuras masculinas”. Em sua opinião, o diálogo entre o direito e a literatura pode ajudar ao abrir o fenômeno jurídico a uma interpretação de se colocar no lugar do outro, uma interpretação mais expansiva e sensível.
Na visão da juíza federal e escritora Fernanda Mena, a arte e a justiça conformaram o gênero ao longo dos séculos tendo como pilar as obras literárias. Em sua exposição, citou a obra Oresteia para exemplificar como foi feita uma construção cultural do patriarcado na história da humanidade.
Para a desembargadora federal Mônica Sifuentes, as mulheres que exercem função relacionada ao poder, como é a função jurídica, têm a tendência de trilhar o caminho do Yang, o masculino na filosofia chinesa. “Como se a nossa força dependesse da absorção desses valores para nossa vida profissional e pessoal”. A literatura foi, para ela, um processo de resgate pessoal do Yin, do feminino.
A magistrada também é autora do romance Um Poema para Bárbara, ambientado no Brasil da Inconfidência Mineira. A pesquisa para escrever o livro fez com que percebesse que, apesar de a história ser contada pela perspectiva dos homens, as mulheres tiveram importante participação não apenas antes da Inconfidência, mas principalmente depois, quando seus maridos foram todos encarcerados e degredados para a África.
Autora de dois romances, a procuradora Paula Bajer destacou que, embora as mulheres escrevam muito, são menos publicadas pelas grandes editoras. Apontou que o perfil do romancista brasileiro é na maioria de homens brancos, de classe média, do eixo Rio-SP. Ela integra o movimento “Mulherio das Letras”, criado para dar maior visibilidade às mulheres na literatura.
No aspecto simbólico, a juíza federal Marcia Hoffmann lembrou que a mulher está muito bem representada porque a justiça é um símbolo feminino. Themis, Dice e Justitia são deusas que personificavam a justiça. E por que mulher? Talvez porque ela tenha uma percepção mais ampliada das emoções. A justiça tem que saber lidar com o emocional e o racional. “O juiz que não conhece as emoções não é sábio. O feminino e a arte nos trazem essa dimensão do emocional.”
Embora o artista e o aplicador de direito pareçam pessoas antagônicas, a juíza federal e cantora Laís Leite apontou semelhanças entre os dois. Ela entende que, assim como o direito, a arte é cheia de regras. No entanto, a pessoa que se envolve com arte tem mais facilidade de quebrar outros padrões, como o paradigma do direito e do masculino. A magistrada acredita que o pensamento artístico traz para a justiça esse questionamento do que é ser mulher, além de contestar a visão positivista do direito.
Para a juíza federal e instrumentista Raquel Chiarelli, está claro por que justiça, gênero e arte estão integrados. “A música está na matemática, filosofia, astronomia, retórica, poética, estética e na educação. Segundo Platão, a Pólis só vai se desenvolver quando a música garantir a harmonia das relações entre as pessoas. Se houver desigualdade, independente de ser mulher ou homem, a sociedade nunca vai ser harmônica”.
Uma pesquisa do CNJ mostra que as mulheres estão em maioria no quadro de servidores do Judiciário. Contudo, na magistratura ainda são minoria. No Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, a participação feminina é de 8%. Para a juíza federal Célia Regina Ody Bernardes, essa situação comprova a existência de um teto de vidro. “Hoje, entram mais mulheres na magistratura, mas elas não ascendem na carreira por várias questões, entre as quais as escolhas pessoais e as múltiplas complexidades do feminino”.
Durante as discussões, foi dito que, com os avanços da mulher e dos movimentos feministas, o homem ficou perdido sem saber direito qual é o seu papel nessa história. Como bem afirmou uma das palestrantes, “talvez o homem também queira um espaço de discussão, talvez não estejamos sabendo como discutir o papel do homem diante do que queremos.”
A questão do empoderamento da mulher foi abordada pela juíza federal Leda de Oliveira Pinho. Para ela, “o empoderamento da mulher tem como contrapartida o empoderamento do homem, ambos ganharão ao mudar sua forma de olhar, ao perceber a mulher como igual em direitos e capacidades.”
Também foi lembrada a questão da maternidade que, em alguns momentos, dificulta uma maior dedicação da mulher à carreira. Isso decorre do fato de que, em muitos casos, prevalece a tendência de se creditar o cuidado com os filhos como responsabilidade apenas da mulher.
Para a defensora pública e escritora Mariana Salomão Carrara, o direito das mulheres é uma pauta de todos. “Somos obviamente a maior parte da população do globo, portanto discutir o direito das mulheres interessa obviamente não apenas às mulheres”. A seu ver, é preciso um olhar integral, um olhar global, não sobre a proteção de um grupo, mas sobre a proteção de toda a coletividade.
Também deram suas contribuições ao debate, aprofundando-se ainda mais a reflexão, a promotora de justiça e autora Andrea Nunes, a juíza federal Louise Filgueiras, a professora Sandra Regina Chaves Nunes. O evento contou com a mostra fotográfica “mulheres encarceradas”. Trata-se das presidiárias do “cadeião de Pinheiros” que foram retratadas pelas lentes da juíza de direito Dora Martins. As fotos revelam o olhar “de mulheres desprezadas pelas autoridades incumbidas das políticas públicas criminais.”
A desembargadora federal Inês Virgínia, coordenadora dos trabalhos, elogiou a riqueza das discussões e a contribuição que esse tipo de debate traz para diminuir a desigualdade e caminhar para uma sociedade mais justa.
O evento foi encerrado pela manhã com a apresentação musical da juíza federal Laís Leite. À tarde, o evento prosseguiu com a oficina: “Música, substantivo feminino” e encerrou-se com o concerto de música barroca com a juíza federal Raquel Chiarelli e músicos convidados.